sexta-feira, 22 de maio de 2009
Noiva por amor!
“Se tiver de me casar – disse ela – levo I-Ah comigo”.
I-Ah é personagem da obra literária “Dias Tranquilos” de Kenzaburo Oé, escritor japonês, Prémio Nobel 1994.
I-Ah é um jovem com deficiência mental, quatro anos mais velho que a sua irmã, que o assume como mãe ou noivo, um jovem dependente companheiro de vida, a quem se dedica inteiramente.
A irmã de I-Ah, narradora e personagem central dos episódios da narrativa, em páginas densas de incertezas, de dúvidas, de inseguranças, de privações mostra-nos o que é uma vida, quando se assume com amor e dedicação a vida em companhia de uma pessoa com deficiência mental.
É uma história narrada em primeira pessoa. O escritor Kenzaburo Oé, pai do jovem com deficiência mental, dá-nos a perspectiva da narradora, sua filha.
“Se tiver de me casar, levo-o comigo”, é uma resposta aos pais, quando os pais se preparavam para uma ausência, por motivos profissionais, e tinham o dilema de deixarem o filho sem a necessária autonomia para uma vida independente, o filho com deficiência mental.
Um filho como deficiência mental tira a liberdade aos pais, impede-os de uma vida tranquila, até nas obrigações profissionais. As crianças, os jovens com deficiência mental tiram aos pais, aos familiares, a quem a eles se dedicam, o descanso, as férias, os fins-de-semana. Até o direito de poderem estar tranquilamente doentes sem as preocupações dos cuidados que as pessoas com deficiência mental exigem.
Naquela situação difícil da família, a irmã do jovem com deficiência respondeu, com ”uma voz estranhamente firme”, às dificuldades dos pais. E os pais ironizaram com a situação, perguntando o que diria um “jovem esposo ao ver um tal presente que a noiva lhe trazia”, um irmão com deficiência mental.
“Se tiver de me casar” é o pensamento da irmã do jovem com deficiência mental. Admite a incerteza do seu casamento, porque achava: “não há ninguém que me queira a mim e ao I-Ah ... Mas não me dizem como é que posso sair deste beco sem saída”. Um futuro incerto domina os pensamentos daqueles que são companheiros de vida de jovens sem autonomia, dependentes nos cuidados de alimentação, de higiene, de vigilância, de responsabilidade pelas acções feitas.
A vida, nestas situações, é “um beco sem saída”. A irmã narradora dos episódios da sua vida com o irmão deficiente leva-nos ao interior de si, revela-nos as suas dificuldades, os seus medos. Quem tem ao seu cuidado um jovem com deficiência mental, um jovem dependente, sente-se solidário com os medos daquela irmã, narradora e personagem dos episódios narrados. Sente-se solidário e também personagem, porque os episódios, as vivências e os sentimentos não são estranhos. O leitor descobre a expressão de episódios que já viveu. A dedicação ao irmão tinha-lhe “tirado toda a autoconfiança”. Sob uma “grande tensão nervosa”, sentia-se na vida “sozinha num local isolado, sem ninguém”. Sentia-se “com um sentimento de vacuidade infinita e indizível, triste”.
A jovem irmã, noiva por amor, entrou em transe, teve um sonho, um sonho de noiva com um luxuoso vestido de casamento, perdida num lugar deserto, sem haver sinal de noivo. Sonhou que ao seu lado estava uma pessoa que sentia o mesmo que ela, era o seu irmão com deficiência mental, o seu irmão do futuro, o seu noivo, o seu companheiro na vida. Entre casar ou ficar como companheira do seu irmão com deficiência mental, escolheu ser companheira do seu irmão. Uma escolha de incertezas, de dúvidas, de angústias.
Ficou “com a cabeça à roda” depois da partida dos pais. “Como não podia dormir mais do que quatro ou cinco horas por noite, enfiava-se na cama, durante o dia, sempre que tinha uma oportunidade, para dormir um bocadinho”. Com “o dia repleto de inúmeras obrigações”, ela “pensava apenas no I-Ah e em mim (em si)”, e “não me sinto bem quando ele está longe de mim”. “Mesmo cheia de preocupações”, “tinha de aguentar”. “Desejava para o seu futuro uma vida calma ... com o I-Ah ao seu lado”.
Esta obra de Literatura é uma monumento à sensibilidade, à dedicação, à disponibilidade dos pais, dos irmãos, dos familiares, das pessoas que se dedicam a jovens com deficiência mental, privando-se das comodidades da vida para se dedicarem a quem precisa de amparo, pessoas dependentes.
Nesta leitura de férias, senti-me personagem e narrador de episódios vividos. Sinto-me neste monumento.
Manuel Miranda
“Se tiver de me casar – disse ela – levo I-Ah comigo”.
I-Ah é personagem da obra literária “Dias Tranquilos” de Kenzaburo Oé, escritor japonês, Prémio Nobel 1994.
I-Ah é um jovem com deficiência mental, quatro anos mais velho que a sua irmã, que o assume como mãe ou noivo, um jovem dependente companheiro de vida, a quem se dedica inteiramente.
A irmã de I-Ah, narradora e personagem central dos episódios da narrativa, em páginas densas de incertezas, de dúvidas, de inseguranças, de privações mostra-nos o que é uma vida, quando se assume com amor e dedicação a vida em companhia de uma pessoa com deficiência mental.
É uma história narrada em primeira pessoa. O escritor Kenzaburo Oé, pai do jovem com deficiência mental, dá-nos a perspectiva da narradora, sua filha.
“Se tiver de me casar, levo-o comigo”, é uma resposta aos pais, quando os pais se preparavam para uma ausência, por motivos profissionais, e tinham o dilema de deixarem o filho sem a necessária autonomia para uma vida independente, o filho com deficiência mental.
Um filho como deficiência mental tira a liberdade aos pais, impede-os de uma vida tranquila, até nas obrigações profissionais. As crianças, os jovens com deficiência mental tiram aos pais, aos familiares, a quem a eles se dedicam, o descanso, as férias, os fins-de-semana. Até o direito de poderem estar tranquilamente doentes sem as preocupações dos cuidados que as pessoas com deficiência mental exigem.
Naquela situação difícil da família, a irmã do jovem com deficiência respondeu, com ”uma voz estranhamente firme”, às dificuldades dos pais. E os pais ironizaram com a situação, perguntando o que diria um “jovem esposo ao ver um tal presente que a noiva lhe trazia”, um irmão com deficiência mental.
“Se tiver de me casar” é o pensamento da irmã do jovem com deficiência mental. Admite a incerteza do seu casamento, porque achava: “não há ninguém que me queira a mim e ao I-Ah ... Mas não me dizem como é que posso sair deste beco sem saída”. Um futuro incerto domina os pensamentos daqueles que são companheiros de vida de jovens sem autonomia, dependentes nos cuidados de alimentação, de higiene, de vigilância, de responsabilidade pelas acções feitas.
A vida, nestas situações, é “um beco sem saída”. A irmã narradora dos episódios da sua vida com o irmão deficiente leva-nos ao interior de si, revela-nos as suas dificuldades, os seus medos. Quem tem ao seu cuidado um jovem com deficiência mental, um jovem dependente, sente-se solidário com os medos daquela irmã, narradora e personagem dos episódios narrados. Sente-se solidário e também personagem, porque os episódios, as vivências e os sentimentos não são estranhos. O leitor descobre a expressão de episódios que já viveu. A dedicação ao irmão tinha-lhe “tirado toda a autoconfiança”. Sob uma “grande tensão nervosa”, sentia-se na vida “sozinha num local isolado, sem ninguém”. Sentia-se “com um sentimento de vacuidade infinita e indizível, triste”.
A jovem irmã, noiva por amor, entrou em transe, teve um sonho, um sonho de noiva com um luxuoso vestido de casamento, perdida num lugar deserto, sem haver sinal de noivo. Sonhou que ao seu lado estava uma pessoa que sentia o mesmo que ela, era o seu irmão com deficiência mental, o seu irmão do futuro, o seu noivo, o seu companheiro na vida. Entre casar ou ficar como companheira do seu irmão com deficiência mental, escolheu ser companheira do seu irmão. Uma escolha de incertezas, de dúvidas, de angústias.
Ficou “com a cabeça à roda” depois da partida dos pais. “Como não podia dormir mais do que quatro ou cinco horas por noite, enfiava-se na cama, durante o dia, sempre que tinha uma oportunidade, para dormir um bocadinho”. Com “o dia repleto de inúmeras obrigações”, ela “pensava apenas no I-Ah e em mim (em si)”, e “não me sinto bem quando ele está longe de mim”. “Mesmo cheia de preocupações”, “tinha de aguentar”. “Desejava para o seu futuro uma vida calma ... com o I-Ah ao seu lado”.
Esta obra de Literatura é uma monumento à sensibilidade, à dedicação, à disponibilidade dos pais, dos irmãos, dos familiares, das pessoas que se dedicam a jovens com deficiência mental, privando-se das comodidades da vida para se dedicarem a quem precisa de amparo, pessoas dependentes.
Nesta leitura de férias, senti-me personagem e narrador de episódios vividos. Sinto-me neste monumento.
Manuel Miranda
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